Quando observamos grupos diferentes de humanos, automaticamente nos é obvio pensar que as diferenças de texturas de cabelos, cores dos olhos, cores da pele ou traços dos rostos são biológicas, que todos nascem assim e essas informações estão em seus genes desde sempre. Mas a outra parte, talvez a parte mais importante sobre quem de fato somos, ainda hoje, depois de anos do tema já ter se tornado consenso científico, ele ainda é debatido por quem não procurou saber sobre o assunto. Afinal, nossos comportamentos têm origem genética ou somos influenciados pelo meio em que vivemos?
Vamos falar sobre genética do comportamento, uma disciplina que investiga as influências genéticas e
ambientais no comportamento, fazendo pesquisas tanto em animais como em
humanos. Essa área tenta descobrir quantos e quais genes influenciam em tal
comportamento, como ocorre essa influência e como o ambiente interage com a
genética.
O que são genes?
“O gene é um segmento de uma molécula de DNA,
responsável pelas características herdadas geneticamente. Cada gene é composto
por uma sequência específica de DNA que contém um código que desempenha uma
função específica no corpo. ”
Estudar quais genes são responsáveis pelas cores dos olhos é
relativamente fácil atualmente. Se pegarmos o sequenciamento de DNA de várias
pessoas de olhos azuis, a parte do DNA que corresponde às cores dos olhos vão
ser praticamente as mesmas, não é um 1 gene que define as cores dos olhos, mas
sim uma interação entre vários deles (interação
gênica), e mesmo assim nós já conseguimos identificar quais são e
conseguimos explicar toda a genética de famílias, sabendo quais as chances de
um filho ter determinada cor de olhos, somente sabendo as cores dos olhos dos
pais e avós da futura criança. Nós já conhecemos
os genes que definem as cores dos olhos, assim como diversas outras
características físicas.
E sobre os genes que
influenciam o comportamento? Será que segue a mesma lógica?
Não é bem a mesma coisa, não existe um gene, ou até mesmo uma
interação definida de genes, que caracterize um comportamento. Em cada pessoa a interação de genes para
formar uma mesma característica pode ser muito diferente, o que torna esse
estudo bem mais complexo de ser feito.
Na imagem a seguir, cada círculo representa uma pessoa e
todos os pontinhos dentro dele são os genes. Os pontinhos coloridos representam
os genes responsáveis pela característica descrita a cima do círculo. Duas
pessoas de olhos azuis vão ter os genes de olhos azuis do mesmo modo, já duas
pessoas com o comportamento de timidez vão ter uma interação de genes
totalmente diferente que resulta na mesma característica de timidez. Sequenciando o DNA de várias pessoas
tímidas não somos capazes de identificar um gene ou uma interação de genes
específica e igual na maioria delas, como conseguimos fazer com características
físicas.
Inovação e Amplificação genética
Agora que já falamos sobre o que é o gene e a
diferença entre como características físicas e comportamentais são expressas por
eles, vamos para outra parte.
Você sabia que muitos genes podem permanecer “inativos”
durante toda sua vida? Isso pode acontecer porque muitos genes só são ativados
quando são expostos a um estímulo externo.
Um exemplo é a capacidade de leitura. Todos os
humanos, em regra geral, nascem com a capacidade de leitura, mas nós não nascemos lendo, nascemos com
genes que colaboram para esse processo quando somos expostos a um ambiente de
leitura, quando é iniciado o processo de alfabetização esses genes são ativados
e juntamente, a influência dos genes e do ambiente vão colaborar na expressão
da capacidade de leitura.
Esse processo se chama inovação genética, ele possibilita
o crescimento da herdabilidade, resultado da ativação de genes até o momento
inativos. Assim, a influência genética só começa a acontecer a partir do
momento em que o indivíduo é exposto a um ambiente que é propício a ela. Isso
quer dizer que todos nós podemos ter vários tipos de capacidades/habilidades
que nunca vamos colocar em prática somente porque jamais fomos expostos a um
ambiente em que essa habilidade pudesse ser ativada.
Já pensou, você pode ter genes para a
capacidade de atirar com precisão invejável, mas jamais vai saber disso porque
seus pais nunca pensaram em te colocar em uma escola de tiro? Poderia ser até
um atleta famoso, artista, piloto de fórmula 1, dançarino... Nunca vamos saber
quantas habilidades de destaque podemos ter “ocultas” em nossos genes,
interessante, não?
A fase da vida mais comum para o processo de
inovação genética ocorrer é a infância, já que nela tudo é novidade e muitos
genes são ativados nesse período.
A amplificação
genética possibilita o aumento da
amplitude da ação desse gene, ou seja, um gene que já foi ativado tem sua ação
aumentada com o passar do tempo.
Depois que o indivíduo é exposto a vários
ambientes de ativação de genes, como aula de balé, matemática, leitura, desenho
etc. Ele percebe que tem mais afinidade com leitura, por exemplo, então ao
passar do tempo ele mesmo seleciona ambientes em que essa habilidade vai ser
aumentada, como frequentar livrarias e bibliotecas ou escolher cursar faculdade
de letras. Na fase da infância o que predomina é a inovação genética, já na
fase da adolescência e adulta a amplificação genética é mais presente.
Esses dois processos nos explicam o porquê
alguns traços têm maior influência ambiental na infância e maior influência genética
na idade adulta, pois na infância o ambiente ativa os genes e na adolescência a
própria pessoa amplifica a ação dos genes ativados escolhendo ambientes
propícios a seus próprios gostos e interesses.
Aprendemos aqui como é importante
disponibilizar riqueza de ambientes para as crianças, para que vários genes
possam ser ativados e ela possa descobrir seus talentos/habilidades/capacidades
logo cedo.
Diferenças de
comportamentos entre pessoas que vivem no mesmo ambiente
Você pode estar pensando “se o ambiente é
capaz de ativar genes comportamentais, como explicar gêmeos idênticos que
possuem comportamentos diferentes entre si? Se são geneticamente quase 100%
iguais e crescem no mesmo ambiente? ”
Existem muitos pares de gêmeos idênticos que
são pessoas muito diferentes entre si, acontece muito de um ser homossexual e o
outro hétero como também acontece muito dos dois terem a mesma orientação
sexual. Algumas pessoas dizem que essa é a prova de que “não se nasce gay” e na
verdade é uma escolha. Será mesmo?
OBS: Quando eu
falo aqui a palavra comportamento é no sentido de tudo que nós fazemos e somos
no campo da personalidade, habilidades e dificuldades. Existe um certo pastor
conhecido pela sua guerra contra homossexuais que insiste em dizer “não existe gene gay, isso é
comportamental” no sentido de que é uma coisa que pode ser escolhida ou
não, e NÃO é nesse sentido que eu falo comportamento, de jeito nenhum.
Comportamento, aqui, é tudo que nós fazemos e somos.
Dizer que não existe um gene gay é dizer o óbvio, em nada isso diz sobre a origem do comportamento já que não existe gene
especifico para nenhum comportamento. Não
existe gene para orientação sexual, não existe gene para habilidade de
desenhar, não existe gene para a dificuldade de resolver problemas matemáticos,
contudo, todos esses comportamentos são influenciados pela genética e pelo
ambiente ao mesmo tempo, como vamos ver a seguir.
Existem dois tipos de ambientes, o compartilhado
e o não-compartilhado. O ambiente compartilhado, que pode ser o
ambiente familiar, alimentação oferecida pelos pais ou mesma escola, colaboram
para as semelhanças entre os dois irmãos. Já o ambiente não-compartilhado
colabora com as diferenças.
Devemos entender que tudo pode ser uma
influência ambiental, desde o tipo de música que você é exposto ao amigo da
escola. Mesmo irmãos gêmeos vivendo na mesma casa e frequentando a mesma escola
têm influencias ambientais não-compartilhadas todo o tempo. Eles não descobrem
as mesmas músicas, não vão ter sempre os mesmos amigos, mesmos professores ou
vão ter sempre a presença nos mesmos eventos durante toda sua infância e vida.
E não podemos esquecer que mesmo o ambiente
sendo muito parecido, a forma como cada indivíduo reage a cada uma das suas
experiências ambientais podem ser diferentes, como as impressões digitais.
Em quais conclusões a
genética do comportamento já chegou?
Os estudos feitos nessa área do conhecimento
são feitos com gêmeos monozigóticos, dizigóticos e com filhos adotivos, envolve
toda uma lógica para a medição que determina a porcentagem de influência
ambiental e genética de vários comportamentos.
Claro que também é possível fazer testes de
sequenciamentos genéticos para tentar detectar alguma semelhança de sequência
genética entre pessoas com o mesmo comportamento, mas como eu expliquei no
início desse texto, não é uma forma eficiente de estudo já que os
comportamentos são influenciados por uma variação de genes muito extensa e
diferente em cada indivíduo.
Vários profissionais fazendo os mesmos experimentos
com gêmeos e irmãos diferentes acabam dando resultados muito parecidos, o que
colabora para a veracidade dos estudos e teorias. Não vou entrar em detalhes em
como a conta da medição da porcentagem é feita nesse texto, pois mudaria o
foco, mas vou deixar nas referências uma sequência de vídeos aulas sobre o
assunto. Vou listar algumas conclusões interessantes que a genética do
comportamento já fez ao longo dos anos de estudos.
Todos os traços comportamentais têm influência genética.
Dificuldade de aprendizagem, ansiedade, tipos
de inteligências, traços de personalidades em geral, todos eles possuem uma
porcentagem de influência genética. Não existe exceção.
Todos os traços comportamentais têm influência ambiental.
Quer dizer que todos os traços também têm
influência ambiental. As estimativas para a influência ambiental são sempre
maiores do que zero e também significativamente menores do que 100%. Chegamos à conclusão de
que todos os comportamentos têm influência genética e ambiental. Não existe exceção.
A herdabilidade é causada por muitos genes de pequeno efeito
Até hoje não encontraram genes específicos
para comportamentos, isso leva a conclusão de que o efeito da influência
genética nos comportamentos se dá pela junção de vários genes, o que se chama
poligenia.
Agora podemos
entender com clareza a questão. “ As moléculas que constituem nosso DNA não traçam nosso destino,
mas sob a influência dos estímulos ambientais sofrem arranjos e rearranjos que
explicam a incrível diversidade humana. ” - Drauzio Varella
Nós não somos o que escolhemos ser e nem nascemos destinados
a ser quem somos, e sim somos uma complexa interação entre as duas
possibilidades.
Introdução à Genética do Comportamento em vídeo:
Matérias
interessantes sobre orientação sexual:
https://oglobo.globo.com/celina/homossexualidade-influenciada-por-varios-genes-por-ambiente-mostra-mais-amplo-estudo-na-area-23916177
Referências:
Genética do Comportamento - 5ª Edição - Por Robert Plomin, John C. DeFries, Gerald E. McClearn, Peter
McGuffin
FADIMAN,
James; FRAGER, Robert. Teorias da personalidade. São Paulo: Harper&Row
do Brasil, 1979.
FROTA
PESSOA, Oswaldo. Genética e ambiente: o
comportamento. In: Conselho Regional de Psicologia. Psicologia no
ensino de 2º grau: uma proposta emancipadora. 2 ed. São Paulo: EDICON,
1987. P.41-48.
NOGUEIRA-NETO,
Paulo. O comportamento animal e as raízes do comportamento humano,
São Paulo: Nobel, 1984.
SKINNER, Burrhus
F. Ciência e comportamento. 2 ed. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília, 1970.



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