Temos a constante tendência de
associar o interesse a coisas puramente relacionadas ao
dinheiro ou status social, então vou elaborar a palavra "interesse"
de forma menos denotativa nesse texto. Todas as relações estão pautadas no interesse,
mas vamos focar na relação amorosa romântica.
Não, você não ama seu namorado
pelo que ele é (vou te falar que não ama nem seu filho por esse motivo...
chocado?!), você ama qualquer pessoa pelo que ela retorna para você. Tudo é
baseado no modo como você se sente perto dela, não é nunca sobre a outra pessoa
e sim sobre você. Sabe a sensação de borboletas no estômago? É a
sensação que você está buscando e desejando, não a outra pessoa.
Somente a pessoa, pura e simplesmente ela, não é suficiente para amá-la, essa
pessoa precisa despertar em você alguma sensação ou emoção para que você a
queira, ou seja, tudo depende de como você se sente em relação a ela e não a
pura existência dela.
No sentido mais científico ou evolutivo,
nós buscamos certas qualidades em nossas parcerias; se elas não nos fazem
sentir de certo modo, só dizemos que não nos atraem. Uma pessoa de bom caráter
e boa personalidade pode não ser suficiente, pois buscamos mais. Queremos
sentir segurança, queremos sentir que no futuro aquela pessoa será uma parceira
confiável, queremos saber o que a sociedade vai pensar de nós. A verdade é que
não estamos buscando apenas "pessoas boas".
O amor não existe como uma força mágica e desinteressada.
Bom, primeiramente, se você acredita em almas gêmeas, esse texto
definitivamente não é pra você. Sempre vai existir outra pessoa. Sempre. O
mundo pode parecer que vai acabar quando se termina aquele namoro, não é? Mas,
no fundo, sabemos que passa, porque passa, e nos apaixonamos de novo.
Quando
conhecemos alguém, a forma como a atração se manifesta pode ser avassaladora ou
uma construção lenta e gradual. Para muitos, a atração é uma faísca imediata,
com forte base biológica. Para outros, como pessoas no espectro demissexual,
essa atração só floresce depois que um forte laço emocional já foi
estabelecido. Em ambos os casos, a lógica do "interesse" se mantém,
mudando apenas a sua ordem e natureza. Nossos corpos e mentes estão, de formas
distintas, avaliando a compatibilidade.
Essa avaliação
biológica vai além da simples reprodução. Ao sentir o cheiro de alguém, por
exemplo, podemos identificar o complexo principal de histocompatibilidade
(MHC). Quando o MHC de outra pessoa é diferente do nosso quer dizer que ali há
uma diversidade genética, isso é um sinal positivo para o sistema imunológico.
Características como, por exemplo, o timbre da voz e a simetria facial podem
ser percebidas pelo cérebro como indicadores de saúde. Independentemente da
orientação sexual ou identidade de gênero, nosso cérebro está programado para
buscar esses sinais de compatibilidade em um parceiro potencial. Trata-se de um
interesse evolutivo em formar laços com indivíduos saudáveis que possam somar à
nossa própria sobrevivência e estabilidade, seja para criar filhos ou
simplesmente para construir uma parceria de apoio mútuo.
Já a paixão é uma forte conexão
que temos com uma pessoa, onde a atração (seja ela física ou emocional) é alta
e há algo além. Quando estamos apaixonados, entram com mais força as
influências sociais, econômicas e psicológicas. Uma pessoa que nos traz
vantagens no nosso ciclo social, que tenha comportamentos responsáveis e
promissores, faz com que tenhamos um maior interesse em levar a conexão inicial
para o estado de paixão. Juntando esses fatores, tudo parece combinar. Os
mecanismos do nosso cérebro, inundados por dopamina, criam um sistema de
recompensa viciante. Estamos apaixonados.
Podemos concluir que a paixão é
pautada no interesse por compatibilidade e na sensação de bem-estar
proporcionada pelo sistema de recompensa do cérebro.
O amor acontece depois dessas
fases. É o nome que damos quando a novidade passa e o sistema de recompensa do
cérebro já não dispara com a mesma intensidade. As borboletas no estômago se
acalmam. A saudade não dói mais quase que fisicamente. O coração não acelera quando
chega a mensagem no celular. Apesar da atração ainda existir, a paixão se
transformou em segurança e calmaria.
Continuamos na relação porque a
história foi construída. Você se acostumou com a presença daquela pessoa. Ela
continua sendo compatível com você nos aspectos que realmente importam. Ainda
vale a pena porque os objetivos, ideais e valores estão alinhados. O que
chamamos de amor foi construído.
Podemos concluir que o amor está
pautado no interesse de construir uma vida com outra pessoa, para compartilhar
objetivos em comum. Essa vontade tem forte influência social, construída ao
longo de milênios. A ideia de casamento e amor romântico vem lá de Platão com
mitos de almas gêmeas, amor genuíno, religiões, amor romântico, histórias da
Disney, felizes para sempre, etc. Temos interesse em manter uma relação assim
porque nos foi ensinado que isso é um caminho para a felicidade e aceitação
social.
Apesar da desmistificação do amor à
primeira vista e o entendimento de onde realmente surgem as relações humanas,
não quer dizer que tudo isso precise deixar de ser mágico. E daí que eu sinto vontade
de construir uma vida com alguém só porque meu cérebro interpreta essa pessoa
como uma fonte de segurança e compatibilidade? Importa mesmo a origem, se o que
vale é a história construída, os sentimentos e as sensações maravilhosas que um
relacionamento saudável pode nos proporcionar?
O amor, então, não é a
tempestade que nos encontra, mas o porto seguro que construímos, tijolo por
tijolo. É a transição do instinto para a intenção. Aceitar que somos
interesseiros é apenas o primeiro passo. O verdadeiro desafio — e a verdadeira
beleza — está em transformar essa troca inicial em um pacto de cuidado mútuo,
onde a magia não é o ponto de partida, mas o resultado de uma longa e dedicada
construção.

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