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Semelhança genética de 98% com chimpanzés: Por que não parecemos macacos?

Anaka, gorila do Zoológico de Atlanta,possui uma despigmentação nas mãos, que a fazem parecer humanas.

                Você já ouviu a frase "compartilhamos 98% do nosso DNA com os chimpanzés"? Essa afirmação, que se tornou um mantra em muitos textos de divulgação científica, destaca uma das mais fascinantes e, por vezes, mal interpretadas, verdades sobre a evolução humana. O que exatamente significa essa impressionante semelhança genética e por que não somos simplesmente chimpanzés com smartphones? 

A surpreendente semelhança e a linha do tempo da evolução dos primatas 

 

                Para entender nossa conexão com os chimpanzés, precisamos primeiro olhar para a longa história da evolução dos primatas. A ordem dos primatas se divide em dois grandes grupos: os primatas do Velho Mundo (África e Ásia) e os primatas do Novo Mundo (Américas). Esses grupos se separaram há cerca de 40 milhões de anos, e cada um seguiu seu próprio caminho evolutivo. 

                No Velho Mundo, na África, nossa história mais recente com os chimpanzés começou há aproximadamente 6 a 7 milhões de anos, a linhagem que levaria aos humanos e a linhagem que levaria aos chimpanzés se separaram de um ancestral comum. Desde então, nossas sequências de DNA vêm acumulando pequenas diferenças que nos tornaram únicos. Essa proximidade genética faz dos chimpanzés nossos parentes vivos mais próximos no planeta, com uma semelhança de cerca de 98% do nosso genoma. 

 

A verdadeira pergunta: viemos dos macacos? 

 

                Essa semelhança genética leva a um dos maiores equívocos sobre a evolução: a ideia de que "viemos dos macacos" ou "evoluímos dos chimpanzés". A pergunta, na verdade, é inadequada. A forma correta de ver a nossa linhagem é: somos grandes macacos. 

Nós, humanos, compartilhamos com outros macacos e primatas diversas características, como: 

·       Polegares oponíveis e unhas em vez de garras, permitindo um manuseio preciso de objetos. 

·       Capacidade craniana maior do que a da maioria dos outros mamíferos. 

·       Visão tridimensional (estereoscópica) e colorida, essencial para a vida nas árvores. 

·       Investimento maternal prolongado, com os filhotes dependendo dos pais por muitos anos.

 

                A frase "viemos dos macacos" é enganosa porque dá a entender que evoluímos de um macaco vivo atualmente. A realidade é que nós e os chimpanzés, assim como todos os outros macacos, viemos de um ancestral comum que viveu há 7 milhões de anos. É importante lembrar que, enquanto nossa linhagem evoluiu por 7 milhões de anos a partir desse ancestral, a linhagem dos chimpanzés também evoluiu e mudou por 7 milhões de anos, ele não é ‘menos evoluído’ e tão pouco podemos assumir que o ancestral comum se parecia com um chimpanzé moderno, pois esse ancestral tinha suas próprias características únicas que evoluíram em direções diferentes.

 

As consequências dos nossos caminhos diferentes 

 

                Apesar de compartilharem 98% do genoma, os 2% de diferença trouxeram mudanças drásticas. Nossa espécie, Homo sapiens, surgiu há cerca de 200 mil anos, e ao longo do tempo, a separação do ancestral comum resultou em adaptações notáveis em ambas as linhagens.

Uma das diferenças mais marcantes entre nós e nossos primos chimpanzes é o bipedalismo, a nossa capacidade de caminhar sobre duas pernas. Enquanto os chimpanzés têm uma locomoção quadrúpede especializada, o bipedalismo humano resultou em mudanças enormes em nosso esqueleto:

 

·       Pelve: tornou-se mais curta e larga para suportar o peso do tronco. 

·       Coluna vertebral: adquiriu uma curvatura em "S" para absorver o impacto da caminhada. 

·       Pés: o dedo grande se alinhou com os outros para dar impulso ao caminhar.

 

                Na biologia existem muitos casos em que uma espécie tem o DNA até mais próximo do que 98% e mesmo assim são fenotipicamente distintas, é aí que entra a epigenética. O DNA é como um livro de instruções, mas a epigenética é o que decide quais páginas serão lidas, com que frequência e em que momento. É essa "programação" que, mesmo com um DNA muito similar, faz com que um ser humano ande em duas pernas, use ferramentas complexas e fale, enquanto um chimpanzé não.

                Tigres e gatos, por exemplo, tem uma semelhança gnética entre 95,6% a 95,7%, porém, têm diferenças óbvias de tamanho, habitat e comportamento.



Outros exemplos:

·     Cachorros: dentro da mesma espécie (Canis lupus familiaris), você pode ter um Chihuahua e um Dogue Alemão. Eles têm um DNA quase idêntico, mas o fenótipo (o que a gente vê) é radicalmente diferente. O que os separa é a forma como os genes de crescimento, por exemplo, são ativados. Assim como cães e lobos cinzentos são tão parecidos geneticamente que o consenso científico é de que eles na verdade fazem parte da mesma espécie (canis lupus) e o ‘Familiaris’ dos cães domésticos indica apenas uma subespécie.


·     Camelo e Lhama: Esses dois animais são bem distintos visualmente, mas podem se reproduzir e gerar um híbrido chamado "cama". Isso mostra que a proximidade genética deles é grande, apesar das diferenças físicas gritantes.

                A biologia é cheia de exemplos assim, e cada vez mais a gente entende que as diferenças não estão apenas nos genes que temos, mas em como eles se expressam.

                Portanto, a próxima vez que você ouvir a frase "somos 98% chimpanzés", lembre-se: essa incrível semelhança não é o fim da história, mas o ponto de partida para uma reflexão ainda mais profunda. A frase é uma verdade científica, mas, sozinha, é incompleta. Ela nos convida a ir além, a mergulhar na complexa teia da evolução, onde a verdadeira mágica acontece.

                A beleza da vida não reside apenas no que as espécies compartilham, mas no que as torna singulares. E foi exatamente essa dualidade que a lendária Dra. Jane Goodall nos ajudou a entender. Enquanto a ciência genômica nos mostra as vastas diferenças nos 2% de DNA, foi com paciência e dedicação que Jane revelou as profundas semelhanças comportamentais e emocionais entre nós e os chimpanzés.

                Ao documentar o uso de ferramentas, os laços familiares e até mesmo as emoções desses primatas, ela nos ensinou que a nossa proximidade vai muito além dos genes. A biologia é cheia de exemplos como o de um Dogue Alemão e um minúsculo Chihuahua, mas o maior de todos os contrastes e semelhanças reside na sutil, mas profunda, lacuna que separa (e ao mesmo tempo une) nossa espécie e a de nossos primos mais próximos.

                A verdadeira maravilha da evolução não está na semelhança que une os seres, nem nas diferenças que os separam, mas na infinita diversidade que floresce a partir da união de ambos.


''Quando você conhece um chimpanzé, você se dá conta de que cada um deles tem uma personalidade. Quando um bebê chimpanzé olha pra você, é como um bebê humano. Temos uma responsabilidade com eles. ''
Jane Goodall
                  

Em memória de Jane Goodall
(1934 - 2025)


Autor convidado:
Alex A. A. B. de Carvalho
Biólogo geneticista, mestrando em Zoologia e pesquisador em primatologia.
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Co-autor: Claris Bolorini
Bacharel em Contabilidade, MBA em Gestão Contábil e Tributária e pós graduada em Zoologia e Ecologia.
Lattes

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