A
surpreendente semelhança e a linha do tempo da evolução dos primatas
Para
entender nossa conexão com os chimpanzés, precisamos primeiro olhar para a
longa história da evolução dos primatas. A ordem dos primatas se divide em dois
grandes grupos: os primatas do Velho Mundo (África e Ásia) e os primatas do
Novo Mundo (Américas). Esses grupos se separaram há cerca de 40 milhões de
anos, e cada um seguiu seu próprio caminho evolutivo.
No Velho
Mundo, na África, nossa história mais recente com os chimpanzés começou há
aproximadamente 6 a 7 milhões de anos, a linhagem que levaria aos humanos e a
linhagem que levaria aos chimpanzés se separaram de um ancestral comum. Desde
então, nossas sequências de DNA vêm acumulando pequenas diferenças que nos
tornaram únicos. Essa proximidade genética faz dos chimpanzés nossos parentes
vivos mais próximos no planeta, com uma semelhança de cerca de 98% do nosso
genoma.
A verdadeira
pergunta: viemos dos macacos?
Essa
semelhança genética leva a um dos maiores equívocos sobre a evolução: a ideia
de que "viemos dos macacos" ou "evoluímos dos chimpanzés".
A pergunta, na verdade, é inadequada. A forma correta de ver a nossa linhagem
é: somos grandes macacos.
Nós,
humanos, compartilhamos com outros macacos e primatas diversas características,
como:
·
Polegares oponíveis e unhas em vez de garras,
permitindo um manuseio preciso de objetos.
·
Capacidade craniana maior do que a da maioria
dos outros mamíferos.
·
Visão tridimensional (estereoscópica) e
colorida, essencial para a vida nas árvores.
·
Investimento maternal prolongado,
com os filhotes dependendo dos pais por muitos anos.
A frase
"viemos dos macacos" é enganosa porque dá a entender que evoluímos de
um macaco vivo atualmente. A realidade é que nós e os chimpanzés, assim como
todos os outros macacos, viemos de um ancestral comum que viveu há 7 milhões de
anos. É importante lembrar que, enquanto nossa linhagem evoluiu por 7 milhões
de anos a partir desse ancestral, a linhagem dos chimpanzés também evoluiu e
mudou por 7 milhões de anos, ele não é ‘menos evoluído’ e tão pouco podemos
assumir que o ancestral comum se parecia com um chimpanzé moderno, pois esse
ancestral tinha suas próprias características únicas que evoluíram em direções
diferentes.
As consequências
dos nossos caminhos diferentes
Apesar de compartilharem
98% do genoma, os 2% de diferença trouxeram mudanças drásticas. Nossa espécie, Homo
sapiens, surgiu há cerca de 200 mil anos, e ao longo do tempo, a separação
do ancestral comum resultou em adaptações notáveis em ambas as linhagens.
Uma das diferenças
mais marcantes entre nós e nossos primos chimpanzes é o bipedalismo, a nossa
capacidade de caminhar sobre duas pernas. Enquanto os chimpanzés têm uma
locomoção quadrúpede especializada, o bipedalismo humano resultou em mudanças
enormes em nosso esqueleto:
·
Pelve: tornou-se mais curta e larga para
suportar o peso do tronco.
·
Coluna vertebral: adquiriu uma curvatura em
"S" para absorver o impacto da caminhada.
·
Pés: o dedo grande se alinhou com os
outros para dar impulso ao caminhar.
Na biologia existem muitos casos em que uma espécie tem o DNA até mais
próximo do que 98% e mesmo assim são fenotipicamente distintas, é aí que entra
a epigenética. O DNA é como um livro de instruções, mas a epigenética é o que
decide quais páginas serão lidas, com que frequência e em que momento. É essa
"programação" que, mesmo com um DNA muito similar, faz com que um ser
humano ande em duas pernas, use ferramentas complexas e fale, enquanto um
chimpanzé não.
Tigres e gatos, por exemplo, tem uma semelhança gnética entre 95,6% a 95,7%, porém, têm diferenças óbvias de tamanho, habitat e comportamento.
Outros exemplos:
· Cachorros: dentro da mesma espécie (Canis lupus familiaris),
você pode ter um Chihuahua e um Dogue Alemão. Eles têm um DNA quase idêntico,
mas o fenótipo (o que a gente vê) é radicalmente diferente. O que os separa é a
forma como os genes de crescimento, por exemplo, são ativados. Assim como cães
e lobos cinzentos são tão parecidos geneticamente que o consenso científico é
de que eles na verdade fazem parte da mesma espécie (canis lupus) e o ‘Familiaris’
dos cães domésticos indica apenas uma subespécie.
· Camelo e Lhama: Esses dois animais são bem
distintos visualmente, mas podem se reproduzir e gerar um híbrido chamado
"cama". Isso mostra que a proximidade genética deles é grande, apesar
das diferenças físicas gritantes.
A biologia é cheia de exemplos assim, e cada vez
mais a gente entende que as diferenças não estão apenas nos genes que temos,
mas em como eles se expressam.
Portanto, a próxima vez que você ouvir a frase "somos 98%
chimpanzés", lembre-se: essa incrível semelhança não é o fim da história,
mas o ponto de partida para uma reflexão ainda mais profunda. A frase é uma
verdade científica, mas, sozinha, é incompleta. Ela nos convida a ir além, a
mergulhar na complexa teia da evolução, onde a verdadeira mágica acontece.
A beleza da vida não reside apenas no que as espécies compartilham, mas
no que as torna singulares. E foi exatamente essa dualidade que a lendária
Dra. Jane Goodall nos ajudou a entender. Enquanto a ciência genômica nos
mostra as vastas diferenças nos 2% de DNA, foi com paciência e dedicação que
Jane revelou as profundas semelhanças comportamentais e emocionais entre nós e
os chimpanzés.
Ao documentar o uso de ferramentas, os laços familiares e até mesmo as
emoções desses primatas, ela nos ensinou que a nossa proximidade vai muito além
dos genes. A biologia é cheia de exemplos como o de um Dogue Alemão e um
minúsculo Chihuahua, mas o maior de todos os contrastes e semelhanças reside na
sutil, mas profunda, lacuna que separa (e ao mesmo tempo une) nossa espécie e a
de nossos primos mais próximos.
A verdadeira maravilha da evolução não está na semelhança que une os seres, nem nas diferenças que os separam, mas na infinita diversidade que floresce a partir da união de ambos.
Autor convidado:
Alex A. A. B. de Carvalho
Biólogo geneticista, mestrando em Zoologia e pesquisador em primatologia.
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Co-autor: Claris Bolorini
Bacharel em Contabilidade, MBA em Gestão Contábil e Tributária e pós graduada em Zoologia e Ecologia.
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